quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

MANUEL DENIZ-JACINTO (Parte II)


Manuel Deniz-Jacinto era um homem de baixa estatura, bigode bem aparado, olhos brilhantes que conseguia cativar as audiências que assistiam às suas representações. Manifestou desde cedo particular interessa na obra de Gil Vicente, tendo adaptado diversas peças.
Para aumentar a subsistência da família dedicou-se à tradução de peças de teatro, especialmente da antiguidade grega, onde se tornou um reconhecido tradutor. Realizou conferências sobre teatro em variadíssimos locais.

Segundo José Pacheco Pereira, Deniz-Jacinto terá pertencido aos Grupos Anti-Fascistas de Combate que existiram na cidade de Coimbra nos anos 40 e que englobariam cerca de 35 membros, de acordo com um relatório do próprio partido. O GAC a que Deniz-Jacinto pertenceu fora organizado pelo “Batista dos GAC” e tinha como objectivo tentar controlar as comunicações, proceder ao corte de fios telefónicos [José Pacheco Pereira, Álvaro Cunhal. Uma Biografia Política. «Duarte», O Dirigente Clandestino (1941-1949), vol. II, Círculo de Leitores, Lisboa, 2001, p. 463]. Estes grupos tinham sido organizados em finais de 1944 com o objectivo de desencadear um golpe em Janeiro de 1945, que nunca avançou e estas células acabaram por se restringir somente a um papel de discursos revolucionários mais ou menos exaltados.
Durante a sua ligação Teatro Experimental do Porto, afirma Carlos Porto “Deniz-Jacinto jogou um papel muito importante na história do CCT/TEP, em especial na direcção da escola”, além disso, “ reconhece “as suas capacidades de pedagogo, apoiadas na sua formação científica (fora condiscípulo de Redondo Júnior, igualmente com formação na área das Ciências), com a sua fascinante capacidade de comunicação e os seus conhecimentos, transformava as aulas em momentos apaixonantes, como pude testemunhar” [Carlos Porto, O TEP e o teatro em Portugal. Histórias e Imagens, Fundação Eng. António de Almeida, Porto, 1997, p. 92].Até à reforma, Deniz Jacinto continuou essa missão de espalhar saber, com base em especial na obra de Gil Vicente, de que é um grande especialista, além de desenvolver na imprensa colaboração como teorizador das artes cénicas, trabalhos que reuniu em três volumes, sob o título Teatro.

Como bem relembrou Paulo Silva no capítulo sobre as “«Estórias» da Oposição em Condeixa no Tempo de Salazar” na obra Condeixa. Paisagem, Memória e História, onde se recorda o papel de Deniz-Jacinto como uma das figuras incontornáveis da oposição na região de Coimbra. Baseando-se num documento sobre a organização da oposição na cidade de Coimbra, fornecido pela Legião Portuguesa à Polícia Internacional de Defesa do Estado [ANTT-PIDE/DGS, Procº nº 304/45, doc. 48 e reproduzido em Paulo Silva, “«Estórias» da Oposição em Condeixa no Tempo de Salazar” Condeixa. Paisagem, Memória e História, Paróquia de Condeixa-a-Nova, Condeixa, 2010, p. 160-161], chega-se à conclusão que esta personalidade desempenhava funções de destaque. Para além disso, os relatórios enviados pelos informadores, pelas autoridades policiais confirmam essa importância. Um relatório de Agosto de 1946, produzido por um informador da PIDE que utilizava o pseudónimo de Inácio, dá conta que das reuniões que se realizaram na Livraria do Café Conímbriga, em Condeixa, entre os dias 10 e 17 de Agosto [???]. Eram indicados por participar nessas reuniões para além de Deniz-Jacinto, Joaquim Namorado, Alfredo Miranda, João Pimentel, Evaristo Pereira Moreira, Júlio Rocha, António Mateus e Joaquim da Silva Bandeira.

Em termos familiares Deniz-Jacinto que era proveniente de uma família modesta, acaba por estabelecer relações familiares com José Pires Beato, militar que participou na I Grande Guerra, ascendeu à patente de tenente e que exerceu as funções de presidente da Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova no período entre a Ditadura Militar e o Estado Novo, de que viria a ser genro, sendo a figura de destaque da União Nacional no concelho.


Devido à sua intensa actividade cultural e política acabou por ser agraciado com diversas homenagens. Recebeu a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique, entregue pelo Presidente da República, Mário Soares, em 6 de Abril de 1988, reconhecendo-lhe a sua “notável actividade em prol da divulgação e expansão do teatro em Portugal, bem como da intervenção cívica e política em defesa da democracia”. Foi também condecorado com a Medalha de Mérito Cultural, da Câmara Municipal de Coimbra, em 30 de Novembro de 1996. Por último, foi-lhe entregue a Medalha de Honra da Universidade de Coimbra, em Março de 1997, pelo respectivo Reitor, Rui Alarcão.


Faleceu vítima de doença prolongada a 08 de Janeiro de 1998 em Coimbra, tendo sido sepultado dois dias depois em Condeixa-a-Nova, sua terra natal.

ENCENOU:
- “O Médico à Força”, de Moliére, Grupo de Teatro dos Modestos, 23-12-1958;
- “O Gebo e a Sombra, 3ª – O Avejão, Cena III – O Doido e a Morte”, de Raúl Brandão, Teatro de Bolso [encenação em parceria com Sinde Filipe], 28-07-1960;

TRADUZIU:
- “O Jogador”, de Ugo Betti, Teatro de Algibeira, 24-04-1959;
- “A Sombra da Ravina”, de J. M. Synge, 1963;

PUBLICOU:
- “Ionesco no Teatro São João do Porto”, Vértice, Vol. 19, nº 190/191 (Jul/Ago 1959), p. 451-453;
- “«Antígonas»de Sófocles, pelo TEUC”, Vértice, Vol. 21, nº 216 (Set 1961), p. 574-576;
- “As «Coéforas» e «O Processo de Orestes», pelo Groupe de Théatre Antique de la Sorbonne”, Vértice, Vol. 21, nº 216 (Set 1961), p. 579-581;
- “«Menaecmi» de Plauto, pelo Centro Universitário di Parma”, Vértice, Vol. 21, nº 216 (Set.1961), p. 585-587;
- Santareno, Bernardo, O Pecado de João Agonia, pref. Manuel Deniz-Jacinto, Divulgação, Lisboa, 1962.
- O Testamento de Maria Parda/Auto da Feira/Auto da Índia/Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, encenação de Carlos Avilez, Texto de Apresentação de Manuel Deniz-Jacinto, Teatro de Bolso, 09-02-1965;
- Teatro, 3 vols., Ed. Lello Lda., Porto, 1991;
- “«O Vagabundo das Mãos de Oiro» rejeitado pelo conselho de leitura do Teatro Nacional, estreou-se com grande êxito no TEP (Porto)”, Vértice, Vol. 22, nº 225 (Jun. 1962), p. 335-337;
- “Charlot e Bip: uma estética, duas técnicas, duas finalidades”, Vértice, Vol. 22, nº 228 (Set. 1962), p. 474-476;
- “«A Electra», de Sófocles, pelo Teatro do Pireu, no Rivoli do Porto”, Vértice, vol. 23, nº 239 (Ago.1963), p. 436-439;
- “O actor numa encenação de Gil Vicente”, Vértice, Vol. 25, nº 264/266 (Set/Nov 1965), p. 799-805;
- “No rescaldo do XXVI Festival de Avinhão”, Vértice, Vol. 33, nº 349 (Fev. 1973), p. 166-170;
- “No rescaldo do XXVI Festival de Avinhão”, Vértice, Vol. 33, nº 352 (Maio 1973), p. 427-432.

"[Recensão crítica a 'O Jogo dos Homens', de Luiz Francisco Rebello]" / Deniz-Jacinto. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 7, Maio 1972, p. 95-96. 

- "[Recensão crítica a 'O Passado e o Presente', de Vicente Sanches]" / Deniz-Jacinto. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 11, Jan. 1973, p. 78-80. 

- "[Recensão crítica a 'Para o Estudo do Teatro em Portugal (1946-1966)', de Fernando Mendonça]" / Deniz-Jacinto. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 13, Maio 1973, p. 86-87.

- "[Recensão crítica a 'António Vieira', de Fernando Luso Soares]" / Deniz-Jacinto. In: Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 17, Jan. 1974, p. 89-90. 

- "[Recensão crítica a 'A Engrenagem', de José Fernandes Fafe]" / Deniz-Jacinto. In:Revista Colóquio/Letras. Recensões Críticas, n.º 21, Set. 1974, p. 97-98

- “Saudação a Paulo Quintela”, Homenagem a Paulo Quintela, Editorial Inova, Porto, 1974, pp. 37-41

Colaborou ainda com várias publicações com inúmeros artigos sobretudo sobre temas teatrais. Entre elas destacam-se: Boletim do Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (1944), Biblos, O Diabo, Gazeta Musical e de Todas as Artes (1951-1957), Informação Literária (1945-1949), entre outras publicações.


Deniz-Jacinto, em 1982, em momento de lazer.

Os responsáveis do Almanaque Republicano não podiam deixar de se associar à evocação desta figura da cultura portuguesa, apesar de tudo pouco conhecida. Assinalando a data do centenário do seu nascimento e divulgando a homenagem que lhe vai ser feita no próximo sábado em Condeixa-a-Nova. O seu papel como encenador, actor, crítico, tradutor, ensaísta, e autor de diversas publicações merece ser estudado e divulgado.

A.A.B.M.

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