segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A NOITE SANGRENTA – 19 DE OUTUBRO DE 1921



"Depois veio a noite infame [19 de Outubro de 1921], onde, além dos actores visíveis, dos marinheiros e dos soldados, dos bonifrates que actuaram entre gritos de loucura, entrou outro actor tremendo, do qual não pudemos mais desviar os olhos – e que não devia fazer parte da peça. De tarde, aquele desgraçado [António Granjo] via os homens porem-lhe cerco como a um bicho e o seu suor era já de agonia. Via-os aproximarem-se – ouvia-os falar na escada do prédio onde se refugiara

[António Granjo residia na Rua João Crisóstomo e a sua casa confinava, pelas traseiras, com a morada de Cunha Leal, na Av. Miguel Bombarda, para onde Granjo procurou abrigo, avisado do perigo que corria por um vizinho e seu Irmão da maçonaria, Bernardino Simões, comerciante – consultar, Rocha Martins, “Vermelhos, Brancos e Azuis”, vol.2].

Veio depois a noite e eu tenho a impressão nítida de que a mesma figura de ódio – o mesmo fantasma para o qual todos concorremos – passou nas ruas e apagou todos os candeeiros. Os seres medíocres desapareceram na treva - os bonifrates desapareceram: só ficaram bonecos monstruosos, com aspectos imprevistos de loucura e de sonho, que na camioneta fantasma [nome como foi conhecida a camioneta, que transportava os assassinos (10?) que levaram a cabo os crimes perpetuados nesse dia. Entre eles estavam, Benjamim Pereira, Manuel José Carlos e Abel Olímpio (o Dente de Ouro). Pelo que é referido por Berta Maia, viúva de Carlos da Maia (um dos assassinados) a camioneta foi fornecida pelo tenente Mergulhão] procuravam as suas vítimas. Noite de chumbo. No quarto andar da Rua da Madalena, a sombra esmagava-me o coração, reduzindo-o a cisco. Na taberna em frente a mesma música reles de todas as noites não cessava de tocar num realejo a que um galego dava corda ... E a noite prolonga-se, sórdida e satânica.

A essa hora o desgraçado consumia a sua agonia no Arsenal, entre rugidos das bestas desencadeadas. – Sangrem-no como a um porco!

Outro [Carlos da Maia] é arrancado dos braços da mulher, que grita inutilmente, cheia de dor, pedindo piedade para o marido e o filho que tem nos braços. E a camioneta, onde os bonecos se agitam, percorre as ruas negras, alucinante e trágica. – Almirante [Machado dos Santos], é a sua hora: vai ser fuzilado! – E a voz daquele ingénuo, que quis ser político, jornalista e revolucionário e vai ser, de encontro a uma parede, um farrapo humano a escorrer sangue por todas as feridas, responde: Veja – diz ele para o bandido que lhe fala – que as minhas pulsações não aumentaram. (...)

Se todos nos quiséssemos ouvir, encontraríamos, talvez, dentro da nossa alma, a explicação da noite infame e compreenderíamos por que ela foi possível. Ódio, terror e o desconhecido. Andaram também metidos nisso políticos e, ao que se diz, até um padre

[referência, presume-se, ao Padre Lima (natural de Estivares ou melhor, Estevais da Vilariça ), e que juntamente com Fernando de Sousa, ambos do jornal A Voz, mais o tenente Mergulhão, Gastão de Matos, Luiz Moutinho de Carvalho, Carlos Pereira e o Conde de Tarouca, foram considerados, na época, como os principais mandantes dos assassinatos em cadeia – vidé, Berta Maia, As Minhas Entrevistas com Abel Olímpio ‘O Dente de Ouro’, Lisboa, 1929]

– nas ruas são as personagens insignificantes que entram em todas as tragédias. Quem os mandou matar? – porque estas coisas nunca são espontâneas. (...)

Raul Proença, in Memórias, vol. III

J.M.M.

7 comentários:

Nuno Castelo-Branco disse...

Boa propaganda, mas a verdade é outra: o dedo indicador vai direito para os apaniguados do sr. Afonso Costa, para os Formigas brancas, etc. Lutas intestinas da república, onde desta vez foram vitimados os sidonistas. O habitual.

Anónimo disse...

É sinistro, mas se eram apaniguados do Sidónio, evitou-se a
1ª ditadura à nascença. Infelizmente não se pôde evitar a segunda que durou 40 anos e não se sabe se mais violenta do que seria a de Sidónio.

Artur Lopes disse...

Ola a todos !!
Queria apenas corrigir algo aqui escrito no blog referente à naturalidade do Padre Lima.
Ele era Natural de Estevais da Vilariça assim como o Abel Olimpio e nao Estivares como eu acabei de ler!! Obrigado

Anónimo disse...

Sim, que horror, uma ditadura é que não.. Um país preso numa democracia viciada é,sem sombra de dúvidas, muito melhor. Ainda bem que se evitou a "diatdura" de Sidónio, porque instabilidade política e social, dívida externa, desordem pública não fazem diferença, desde que se viva em democracia.

Anónimo disse...

ola ,abel Olimpio era natural de santa comba da vilariça mas morava em Estevais da vilariça (e nao Estivares!)

Anónimo disse...

Para esclarecimento, o padre Lima (Maximiliano Lima) era natural da aldeia de Cardanha concelho de Torre de Moncorvo. Sou proprietária da casa que lhe pertenceu e onde morou.

Unknown disse...

Padre Lima foi meu tio